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A semana que passou deu início, no Brasil, a uma nova rodada de discussões sobre a regulamentação da defesa de interesses junto aos poderes Legislativo e Executivo. Um seminário convocado pela Deputada Cristine Brasil (PTB/RJ), relatora do PL 1202/2007, reuniu, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados, especialistas no assunto para discutir os projetos de lei que tratam do assunto e tentar chegar a um texto que separe definitivamente profissionais sérios, que subsidiam tomadores de decisão com informações relevantes, de criminosos, que utilizam favores financeiros para avançar sua agenda.

Em uma coincidência interessante, em que parecia estar pautado pela agenda do Congresso Nacional, o jornal POLITICO, de Washington, D.C., um dos mais influentes periódicos sobre política, publicou na semana do seminário duas matérias bastante relevantes para a discussão que se inicia no Brasil. Intituladas The lobbying reform that enriched Congress (A reforma do lobby que enriqueceu o Congresso) e Lockheed’s top government affairs oficial not registered as lobbyist” (O mais importante executivo de relações governamentais da empresa Lockheed não é registrado como lobista) as matérias analisam os nove anos da sanção da lei mais restritiva do mundo sobre a atividade de lobby, o Honest Leadership and Open Government Act, de 2007, proposto após a prisão do “super-lobista” Jack Abramoff para corrigir os erros atribuídos à lei anterior, o Lobbying Disclosure Act, de 2005, e evitar novos escândalos.

As matérias relatam que embora tenha sido anunciada como a lei que traria a transparência necessária para a relação entre servidores públicos e representante do setor privado, a nova lei se tornou um imenso fracasso. Para atingir a transparência que se julgava necessária, foram criadas novas sanções, novas obrigações e, no intuito de desestimular a ida de servidores públicos para o mercado da defesa de interesses privado, prática conhecida como “revolving doors”, foi aumentado o período de quarentena. Nove anos depois da sua entrada em vigor, o que se viu foi o oposto do prometido: nem aumento de transparência nem desestímulo. O que houve foi um aumento significativo de políticos e tomadores de decisão que deixaram o governo para atuar na defesa de interesses privados e esses profissionais, por excessos na regulamentação, definições equivocadas e preconceito contra a denominação “lobista”, preferiram não se registrar, sendo seguidos por outros profissionais, e criando uma nova classe que preferiu atuar nas sombras e sem transparência, os chamados “shadow lobbyists”.

Segundo a legislação americana, um profissional, para se encaixar na definição de lobista, quando representando um cliente, deve usar pelo menos 20% (vinte por cento) do seu tempo em sua atividade de lobby, ser remunerado para isso e ter contato com mais de um tomador de decisão. Além disso, só é considerada atividade de lobby para fins de registro o contato direto desse profissional com o tomador de decisão. Dessa forma, mesmo que um profissional tire todo o seu sustento da defesa da agenda de seus clientes junto ao governo, mas gaste menos de 20% (vinte por cento) do seu tempo com contatos diretos, ou contate apenas um tomador de decisão, esse profissional não é obrigado a se registrar. Apoiados nessa descrição, os “shadow lobbyists” não se registram sob o argumento de que o conceito legal não os atinge, e passam a designar a si próprios estrategistas, consultores ou conselheiros políticos, diretores de associações comerciais, executivos de relações governamentais, dentre outras tantas alcunhas, escapando das obrigações estipuladas e embaçando o exercício de uma atividade que deveria ser transparente.

Apesar de parecer um problema de solução simples, obrigar todos aqueles que fazem defesa de interesses a se registrar independente de tempo agenda ou número de contatos, a verdade é que este é problema bem mais complexo. A proibição ao Congresso Americano de criar qualquer lei que restrinja o direto de peticionar ao governo para reparação de injustiças, previsto na Primeira Emenda à Constituição dos Estados Unidos[i], e o entendimento da Suprema Corte de que o direito de petição é, além de universal, uma das liberdades mais importantes garantidas pelo Bill of Rights[ii], impedem que as restrições sejam aplicadas a todos, pois isso afastaria o cidadão comum de seu representante, afrontando um direito inviolável. Caso a lei obrigasse todos aqueles que tem uma demanda junto ao poder público a se registrarem, estaria criando dificuldades possivelmente intransponíveis ao cidadão comum, alijando esse cidadão do seu direito de petição, de cobrar diretamente, enfraquecendo o seu poder junto ao seu representante e transferindo todo o poder àqueles que tem recursos para a contratação de profissionais.

A experiência americana nos mostra que o excesso de regulamentação é contraproducente e ao invés de trazer transparência esperada, resulta no afastamento do cidadão de seus representantes e na migração de bons profissionais da área para a informalidade. Dos projetos que tratam do tema, o PL 1202/2007, que motivou a realização do seminário é, segundo estudo do IPEA conduzido pelo professor Manoel Santos, o mais restritivo hoje em trâmite no Congresso brasileiro. Repetindo o erro americano, o projeto tenta englobar diversas atividades diferentes sob a definição de lobby, exagera nas sanções e nas obrigações, e chega ao ponto de impor prestação de contas junto ao Tribunal de Contas da União.

Na realidade vivida hoje no Brasil, em que toda relação entre o público e privado é vista como uma atividade potencialmente criminosa, qualquer erro na redação de uma proposta de regulação dessa relação poderia inviabilizar a existência de uma norma que trouxesse a necessária transparência para essa atividade. No Brasil da Lava Jato, em que a percepção de impunidade vem sendo substituída pela percepção de justiça, seria mais prudente, na busca de transparência, dar tempo para que as leis sancionadas nos últimos três anos, e que deram suporte à operação, possam mostrar os seus resultados e, analisando os efeitos dessas leis na relação entre público e privado, propor algo que possa complementar o que já está feito para alcançar a transparência almejada.

[i] First Amendment: Congress shall make no law respecting an establishment of religion, or prohibiting the free exercise thereof; or abridging the freedom of speech, or of the press; or the right of the people peaceably to assemble, and to petition the Government for a redress of grievances. 

[ii] U.S. Supreme Court (1967): [The] rights to assemble peaceably and to petition for a redress of grievances are among the most precious of the liberties safeguarded by the Bill of Rights. These rights, moreover, are intimately connected, both in origin and in purpose, with the other First Amendment rights of free speech and free press.